Ciclo Expedição SERIEMA PEDAL à Vila de São Jorge 2013 – 2º Dia Offroad

Vamos lá para o relato de mais um dia:
“tec tec tec”… “zip zip zip”…. “tec tec tec”….”zip zip zip”. Adivinhem o barulho de quem era! Pois é! Era o Dotooorrr! Todo agoniado e acordando todo mundo com um entra e sai infinito na barraca. Esse já passou a ser o toque oficial da alvorada do grupo. Inclusive, esse dia ele já tomou o apelido de “Doutor Zipper”.

Escolinha onde havíamos pernoitado

Acordamos bem cedinho. O sol mal havia saído. A meta do dia eram “só” 50 km. Pensei comigo: “que beleza! Depois de todo o esforço de ontem, hoje será uma dia de descanso.” Perguntei ao Romar qual o motivo de estarmos pretendendo rodar tão pouco naquele dia. Ele, com um sorriso bem sarcástico na cara, me olhou profundamente e disse: “-No final do dia, a gente conversa”.
Tratamos logo de comprar uma mortadela, pão e café na vendinha da “tia simplática”…kkkkk.
Enquanto ajeitávamos as tralhas, diversas crianças chegaram para a aula. Interessante observar que era feirado e mesmo assim elas estavam a postos para mais um dia na escola. Todas nos observavam atentamente. Deviam estar achando engraçado aquele povo com aquele shortinho apertado e aquele monte de tralha na garupa das bikes.
Barriga forrada e vamos ao pedal!

Como havíamos subido muito no dia anterior, o pedal já começou em uma região bem elevada, por onde andamos em meio a grandes plantações. Assim que elas se acabaram, pegamos um platozão com vegetação bem característica do cerrado. Em meio a ele, nos deparamos com um verdadeiro jardim, belíssimo. O Élvio (nosso consultor oficial de plantas do cerrado) nos disse que aquelas flores eram candombá e vê-las daquela forma era um fato raro.

Um verdadeiro “jardim”
Flores de candombá

Ao fim do platô, nos deparamos com um verdadeiro tobogã de descidas. Ainda em cima dele, havia um mirante belíssimo. Algo extraordinário de se ver.
Descemos bastante.

Ao mesmo tempo que ficávamos vidrados com as descidas, posso dizer também que um certo receio e medo nos dominava, pois uma grande máxima do mountain bike é: tudo que sobe, tem que descer! Ao mesmo tempo que o pedal rendeu bem no início, deu pra perceber (e ver pelos chapadões), que aqueles cinquenta quilômetros planejados seriam “os” cinquenta quilômetros.

Mesmo com muitas serras em vista, eram só 10 horas da manhã e já havíamos andado 30km. Logo pensei que o restante seria fácil. Logo após essa reflexão, deparamo-nos com o início do chamado “Espinhaço do Chicão”. Era uma monstruosa e inigualável subida. Não era tão gigante, mas era muito inclinada. Fomos para a disputa da camiseta de bolinhas vermelhas eu e o Derúbio. Eu queria muito tomá-la dele, já que no dia anterior, ele havia ganhado. Depois de muita labuta e uma paradinha estratégica por parte de nós dois para tomar um fôlego, eis que ganhei a disputa (e tem gente pra provar isso!!!!) rsrsr.

“Espinhaço do Chicão”

As pernas se incharam bastante depois da subida. Sem dúvida, ali o pedal já foi se quebrando. Depois de quase 40km sem vermos nenhuma casa nem sinal de civilização, passamos por um casebre com uma singela criação de porcos. Ninguém se encontrava. Depois, pegamos mais um top e chegamos a outro grande platô.  Era grande e bonito, já que dava estávamos no cume de uma montanha que dividia dois grandes penhascos. Paramos para fazer belíssimas fotos. Ali, tínhamos que decidir entre seguir em frente rumo a uma pedreira (por onde a galera do Seriema já havia passado há cerca de dois anos atrás) ou pegarmos um caminho alternativo a direita, para tentarmos seguir um local ainda não desbravado.

Descida para a pedreira. (k.d. os Seriemas?!)

De início, tentamos não trocar o certo pelo duvidoso. Descemos longas pirambeiras e entramos nas terras da pedreira. Percebemos que as áreas de exploração pareciam estar abandonadas. Como estávamos todos com muita sede, procuramos água e nos deparamos com um pequeno lago. Paramos para tomar banho, mas logo raciocinamos que aquelas águas tinham grandes chances de estarem contaminadas por produtos oriundos da pedreira, inclusive com metais pesados. Achamos melhor não arriscarmos. Eram perto de 13 horas e a fome já nos dominava. Naquele momento, em meio a um nada, resolvermos juntar o que tínhamos nas bagagens e fazermos um “pseudo-almoço” bem leve. Após juntarmos as gororobas, eis aqui os ingredientes da nossa comida:
-paçoca (farinha com carne seca)
-bolachas cream cracker
-sardinhas em lata (com caldinho de conserva e tudo!)
-azeitonas em conserva (com caldo e tudo)
 Mistura tudo e manda pra dentro!!

Pedreira desativada

Só de lembrar, já me arrepia. Mas posso dizer que foi um dos melhores pratos que já comi na minha vida. Lição do dia: O melhor tempero é a fome! E estávamos ali para provar essa teoria!
Juntamos mais umas outras bolachinhas, pés de moleque e mais uma deliciosa carne seca que o Élvio havia levado para a “pseudo-sobremesa”.
Aproveitamos para discutir se valeria a pena descer até a sede da mineradora. O Romar bem lembrou que quando cruzaram aquelas terras da outra vez, pegaram um mato muito alto e grande pela frente. Que tiveram longos trechos de empurra bike e que o pedal rendera muito pouco. Decidimos então voltar para trás e tentarmos o caminho alternativo. Isso eram perto de 14:30 horas. Subimos muito! Principalmente porque estávamos já cansados das outras subidas. No local onde havia a bifurcação, dava para avistar as trilhas que passaríamos no outro lado do morro, já que havia um grande vale entre eles.

Foto tirada do local onde estávamos anteriormente

Entramos no local alternativo. De início, eram só descidas, mas que logo depois se traduziram em longas subidas. Depois de um trecho bem duro, que já se transformava em single-tracks, tivemos um pequeno problema com nosso GPS. Decidimos “seguir o rumo” de onde achávamos que era a saída daquele conjunto de montanhas. A meta era chegar a um pequeno vilarejo (local sede de algumas edições do Rally dos Sertões)/
Romar e Nilsinho Braz baixaram o espírito dos antigos bandeirantes, desbravando muita coisa no peito. A cada single que entrávamos, deparávamos com um gigantesco penhasco, impossível de se descer a pé, quiçá com as bikes de 30kg em média cada uma.

Espírito “bandeirante”

Assim a tarde foi-se passando. Single após single, nos víamos em labirintos sem saída. O tempo passou e o grande problema que enfrentamos foi um dos “tendões de aquiles” de qualquer pedal: falta de água. Uma a uma, as caramanholas e as mochilas de hidratação foram se acabando. Até que estávamos totalmente secos! E já eram 4:30 da tarde! Um empurra bike infinito com muito mato no peito. Passamos então a procurar fontes de água. A cada local que achávamos haver água, nos deparávamos com nascentes perenes que já estavam secas (apesar de um solo um pouco úmido).
Os religiosos começaram a orar, pedindo uma fonte de água.
Até que, perto de 18 horas, com o sol já bem baixo, achamos um rio que havia se secado provavelmente há poucos dias. Ainda com diversas poças de água aparentemente bem límpida. Nos abastecemos e tentamos seguir em frente.

Água: um dos bens mais preciosos do mundo!

Nilson Braz dessa vez tomou a frente. Em determinado momento, como ele estava na ponta e estávamos em fila indiana (eu mais atrás), ele narra que parou um pouco e decidiu deixar a bike no chão, nos pediu para esperar, e foi em frente a pé. Avistou uma clareira e chegou a comemorar pensando que fosse a bendita estrada que estávamos procurando. Ao seguir em frente, viu-se em um estrondoso penhasco. Quase uma cena de filme em que o mocinho está fugindo dos bandidos e se vê no meio do nada. Voltou decepcionado.
Estávamos exaustos! O orgulho triunfal do dia anterior de termos vencido a natureza estava totalmente abalado pela lição de moral que tomávamos do vasto cerrado.
Eram quase 18 horas e decidimos voltar à fonte de água e acamparmos.

Acampamento Seriema

Pouco a pouco, fomos desfazendo as bagagens e procurando um local menos inclinado possível para armarmos as barracas. O que inicialmente parecia uma “derrota”, logo foi totalmente compensada quando olhamos ao horizonte e avistamos um dos mais belos pôr-do-sol de nossas vidas. Olhamos todos sem palavras. Até para pegarmos as câmeras e fotografarmos estava difícil tamanha a embriaguez que aquele momento e local nos proporcionavam. E eis a nossa vista:

Clique para apliar (eu garanto, vale a pena!)

Acampamento armado, juntamos um macarrão, o restante de alguns alimentos, acendemos o fogareiro e fizemos uma bela janta. Tudo bem que foi muito regrada e me não me tirou nem metade da fome, mas com certeza, um dos melhores pratos que já comemos na vida!
Saliento aqui que nesse momento, nosso grande amigo Veldas tomou a palavra e fez uma bela oração, agradecendo a Deus pela oportunidade única de estarmos naquele local, com saúde, com água e nas melhores companhias do mundo.

Engraçado que o Romar estava como “pinto no lixo” por estarmos em um local como aquele. Segundo ele, nessa situação é que “tudo passava a ficar verdadeiramente divertido”.
Após o bucho cheio, alguns de nós nos deitamos nas barracas com o zipper aberto. Foram incontáveis estrelas cadentes. Nenhum sinal de civilização. Nem luzes de casas conseguíamos avistar. O “bando de amigos” estava, definitivamente, em paz!
Antes de dormir, ouvi grandes estórias do Auriam nos tempos dele de corrida. Quando chegou a bater em atletas de elite. É incrível como fatos assim ficam na memória de cada um. Como se tivessem acontecido um dia antes de serem contadas. Ouvimos também grandes fatos de soldado contados pelo Auriam e pelo Weldas.

Fatos do Dia:
-esse dia todo mundo foi dormir sem tomar banho e com a roupa do corpo (só o Élvio que deu uma enxaguada em uma das poças, mas nada que fizesse a diferença).
-teve gente que citou que esse era o dia de treinar single tracks empurrando
-teve gente que comemorou muito por não ter tido cãimbra
-tinha gente mais perdido do que cego em tiroteio
-o Derúbio insistia em dizer que “era só pegar um trieiro que chegava lá…”
-“-TÔ NUM MAL ESTAAAAAAAARRRRRR” – frase da viagem!
-todo mundo foi dormir com fome
-nunca comemos um macarrão tão bom em nossas vidas
-o Johnny Bravo tem um chinelo do Pacman!
-dormir no chão é melhor do que dormir nas pedras
-o Derúbio jura que o freio dele tava pegando durante o Espinhaço do Chicão
-quem ronca dorme primeiro do que quem não ronca
-O Romar e o Álvaro roncam. O Élvio URRA!
-O Nilsinho quase foi linchado por ter perdido um pacote de açúcar e o salame.
-Todos comemoramos muito termos optado pelo caminho alternativo!!
P.S.: esse relato foi feito ao alto e bom som de Faith No More!
CLique aqui para o relato do próximo dia.

Fotos do dia:



ÁLBUM XTRAX – QUARTA